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Racismo e a Igreja Racismo e a Igreja

Racismo é pecado! O papel da Igreja no combate ao preconceito racial


15 minutos para ler

Com as notícias das mortes chocantes de George Floyd, Ahmaud Arbery, Breonna Taylor, Evaldo dos Santos Rosa e do jovem João Pedro, aqui no Brasil, um tema que nunca deveria perder a visibilidade veio à tona de forma arrebatadora: o racismo

Com tanta violência e histórias recentes, uma onda de protestos contra o racismo e a violência se alastraram por todo o mundo, começando nos EUA e tomando força em vários países, como o Brasil.

A violência e o racismo contra a população negra é assustadoramente comum em vários países. 

E é triste pensar que precisou testemunharmos tantos casos para nos posicionarmos novamente a uma causa que possui o protagonismo negro, mas é de toda a sociedade.

E uma pergunta que muitos de nós estamos fazendo é: qual o papel da Igreja e da nossa fé em meio a toda essa situação?

O que a Igreja tem a oferecer ao mundo em meio a tempos tão sombrios? O que a Bíblia tem a nos ensinar sobre o Racismo?

Neste post vamos conversar sobre essas questões e como podemos nos posicionar em meio à esse momento turbulento.

Somos todos racistas

O primeiro passo para entendermos o nosso papel neste momento, é entender que nós somos parte do problema.

Eu sou branco, privilegiado e não posso compreender a dor sentida quando uma pessoa vê alguém da sua própria raça morrer por causa da sua cor.

A maioria das pessoas que vai ler este texto, também. 

Por isso, quero dizer que o primeiro passo, antes mesmo de subir a #blacklivesmatter, antes de dizermos que somos anti-racistas é dizer um sonoro pedido de desculpas.

Assim como os policiais de Miami se ajoelharam reconhecendo o seu papel em toda essa barbárie, nós também deveríamos fazer o mesmo.

Em vez de dizer “eu não sou racista” (você é), reconheça a sua falha e queira aprender como não ser. 

Reconhecer é o primeiro passo para, de fato, participamos da mudança necessária.

O teólogo e pastor John Piper diz:

Uma das maneiras pelas quais continuamos a deixar a desejar em diversos relacionamentos étnicos é usando maneiras sutis de justificar a nós mesmos para disfarçar o preconceito pecaminoso que se esconde em nosso coração. Que Deus possa expor cada preconceito pecaminoso que ainda resta em nosso coração.

Retirado do livro: O racismo, a cruz e o cristão.

Como Piper, devemos reconhecer o preconceito pecaminoso em nossos corações.

Racismo estrutural

Acredito que todos concordamos que o racismo em nossa sociedade é estrutural. E isso significa que todos fazemos parte dele!

Dizer que não somos é uma grande falácia. 

Racismo estrutural significa dizer que a nossa sociedade é formatada de maneira que certas classes, gênero ou raças tenham uma posição vantajosa em relação a outras. Seja por meio de práticas culturais, institucionais, históricas ou interpessoais.

Isso se manifesta em questões raciais, étnicas e de gênero.

E basta olharmos para ao nosso redor. 

A escravidão no Brasil terminou há menos de 150 anos! Acredito que muitos tenham avós que tem quase 100. E os efeitos ainda são facilmente observados.

Quantos amigos negros você teve em sua escola particular? Ou em sua faculdade particular? Quantos frequentam a mesma igreja que você?

Quantas vezes desconfiamos de uma pessoa por conta da sua cor de pele?

Quantos, como eu, crescemos achando que se seu amigo negro — aquele único que você teve na escola particular — não ligasse, eu podia fazer piadas de negros.

Estava tudo diantes dos nossos olhos, mas, era fácil justificar com aquele único exemplo que conhecemos em nossa vida. “Fulano é negro e chegou lá”. Não podemos tornar a exceção, o ponto fora da curva, como a regra.

Por isso, insisto, se só estamos nos importando agora, que a situação chegou ao ponto que chegou, precisamos começar com um pedido de perdão.

Espero que este texto seja o começo do meu.

O racismo e a Igreja

Talvez você possa pensar que na Igreja o cenário é diferente. Que nos enxergamos como filhos de Deus e, logo, nos tratamos com equidade.

Isso, infelizmente, não é verdade.

Quantas vezes nós já nos importamos com o fato que as igrejas que você e eu frequentamos possui menos de 5% de pessoas negras? 

Quantos teólogos negros você conhece? Quantos acompanha?

Novamente, a crítica é a mim também, que até pouco tempo conhecia e acompanhava praticamente só o Guilherme de Carvalho.

O estudo teológico não é apenas compreender o que o texto bíblico quer dizer, mas saber aplicá-lo de acordo com a nossa necessidade.

Com certeza já estudamos teologia para auxiliar na sexualidade dos jovens, para usar a religião no auxílio contra a ansiedade, para levar uma mensagem de esperança aos desesperados…

Mas quantas vezes utilizamos o estudo Bíblico para questões raciais?

Martin Luther King Jr. usava a sua teologia e sua para dizer que brancos e negros são iguais e deveriam ser tratados como tal.

A teologia de Rosa Parks fez com que ela se recusasse a ceder o seu lugar no ônibus.

William Wilberforce usou sua teologia para lutar contra a escravidão no século XVIII.

A teologia de Dietrich Bonhoeffer o levou a confrontar Hitler e, principalmente, as igrejas que não se posicionavam contra o nazismo e os terrores dos campos de concentração.

Os morávios, movimento de oração contínua, usaram sua teologia para se venderem como escravos e levarem a mensagem de liberdade a cativos que eram negociados por sua cor.

O que a nossa teologia tem gerado? Vitórias em discussões sobre calvinismo e arminianismo?

Ou nossa teologia tem gerado atitudes que lutam pela equidade e cuidado das pessoas? Não estudamos para aumentar nossas cabeças, mas para gerar ações.

Esses homens viram o problema, e o seu conhecimento bíblico fez com que eles lutassem para resolvê-lo.

Nós, temos ignorado o problema. Até que ele precisou gritar nas nossas caras.

Por que o Racismo é pecado!

Se a nossa teologia deve nos levar a lutar contra o racismo, é hora de entendermos porque ele é uma ofensa a Deus e a nossos irmãos.

Como a Bíblia nos ensina que não devemos apenas abominar, mas também combater esse pecado.

Deus criou todos os homens iguais e à sua imagem

O primeiro motivo pelo qual ele deve ser combatido, é o fato de que Deus criou todos os homens iguais!

Quando olhamos para o relato da criação, em Gênesis, vemos que Deus criou homem e mulher à sua imagem. Deus não criou o homem branco à sua imagem.

Deus criou a Adão (que representa a humanidade), todos os homens e mulheres à sua imagem semelhança (Gn 1:27).

O pecado que habita em nós nos levou a considerar-nos uns superiores aos outros. E esse sentimento de superioridade se aflorou, especialmente, de forma racial (dentre outras, como gênero).

Todos os homens — independentemente de sua raça, tribo ou cor — carregam os atributos divinos e são um reflexo de quem Deus é (ainda que afetados pelo pecado).

É absurdo que não cuidemos da criação divina, e principalmente que sejamos injustos com aqueles que foram feitos à sua imagem e semelhança.

Porque Deus não faz acepção de pessoas

Quando Deus chama a nação de Israel (para cumprir sua promessa a Abraão), os hebreus não passavam de escravos nas mãos dominantes de Faraó.

Foi por meio de uma nação de escravos que Deus decidiu “abençoar todas as nações da Terra” (Gn 22:18).

Deus, durante o Antigo Testamento, se apresenta de uma forma distinta aos deuses de outras nações. Elas se gabavam de deuses poderosos e assustadores, mas o Deus dos hebreus se apresentava de forma diferente.

Yahweh se apresenta como “o Deus que não faz acepção de pessoas… que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro” (Dt 10:12).

É da natureza de Deus se importar com a causa daqueles que são injustiçados, muitas vezes oprimidos e fazer justiça por aqueles que são fracos e pobres. 

Como podemos, nós, testemunhar tamanha injustiça e não nos importar?

Devemos amar uns aos outros

Desde a Lei de Moisés, Deus nos ensina a “amar ao próximo como a si mesmo” (Lv 19:18). 

Jesus diz que esse mandamento resume a Lei quanto às relações interpessoais (Mt 22:39-40).

Paulo diz que era devedor de “gregos como a bárbaros, de sábios como a ignorantes” (Rm 1:14).

E a Palavra de Deus nos revela que Yahweh fez para si uma família formada de “todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7:9).

Precisamos entender que somos devedores de todos, especialmente daqueles que são injustiçados pela sociedade (infelizmente com nossa contribuição).

O preço de uma vida

Qual o preço de uma vida? Quanto vale uma pessoa?

Muitas vezes consideramos vidas com um valor muito maior que outras.

Fizemos campanhas contra atentados em Paris, mas não nos importamos contra os atentados, em data próxima, no Quênia.

Testemunhamos na história da humanidade como vidas foram vendidas. Como nossos irmãos negros foram precificados.

Mas a Bíblia nos revela o preço de cada homem. E todos eles têm o mesmo valor. 

Todo homem está debaixo do pecado e necessita ser liberto dessa escravidão. Esse mesmo pecado que nos torna racistas e que habita todos nós (Rm 3:23).

E o preço do resgate de negros, brancos, índios é o mesmo: O Sangue de Cristo na Cruz do Calvário.

Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3:28)

Quando nos calamos, quando não nos importamos com essa causa, estamos declarando ou que a vida dessas pessoas não tem valor ou não nos importamos com o sangue derramado.

Que o Senhor tenha misericórdia de nós! 

Como podemos combater esse pecado?

Como Igreja, como podemos então combater esse pecado? 

Como podemos influenciar a sociedade e dar voz e lugar àqueles que muitas vezes não são ouvidos? Como podemos aplicar, de fato, a Palavra de Deus de forma a vencer essa realidade terrível?

O primeiro passo, falei no ínicio, reconhecer o nosso racismo e o nosso pecado.

Porém, temos outras atitudes práticas para realizar.

Confrontando e não se conformando com o racismo do dia a dia

Sabe quando você fala ou ouve a frase “a coisa tá preta” ou que a imagem foi “denegrida” e alguém te corrige dizendo que é racismo e você fala “nada a ver”?

Comece pelo básico! Entenda que a dor não é sua, logo você não deve interpretar se tem ou não. Esse é só um exemplo sutil.

Toda piada, expressão racista, comportamento preconceituoso no seu trabalho, escola ou igreja, combata! Não tolere. E reconheça a suas pequenas falhas.

Talvez você tropece e diga coisas que foi programado ao longo da vida a dizer, como “cabelo ruim”, entre outras coisas. Se acontecer, reconheça e confronte aqueles que errarem também.

Entenda a história

Você já parou para pensar que a abolição da escravidão no Brasil tem menos de 150 anos? Que possivelmente o seu tataravô teve escravos?

Percebe o quão perto isso está de nós? Os efeitos são nítidos nos dias de hoje! E seríamos cegos de não querer enxergar isso.

Entenda a luta de Martin Luther King Jr. Entenda o quão recente tudo isso é e porque essas vozes precisam voltar a ser ouvidas.

Será que esse discurso ainda não é tão atual?

Estude a história do racismo e escravidão nos EUA, no Brasil, o Apartheid na África do Sul, país onde até hoje, a segregação racial é fortíssima.

E principalmente, conheça a história e os reflexos de toda essa situação no nosso país!

É essencial entendermos o que essas pessoas passaram e viveram e a dor e sofrimento que carregam e vivem até hoje. 

Talvez, assim, entendamos a necessidade do nosso posicionamento e sede por mudança.

Entenda que você não é protagonista

Outro grande problema é achar e querer mostrar nossa voz e achar que seremos pioneiros ou que estamos fazendo coisas demais.

A causa é nossa também, mas porque ela é culpa nossa.

Não é hora de queremos ser protagonistas, mas de dar voz a quem realmente pode mudar a situação.

E cuidado com o auto-elogio ou sentimento de “ajudei tal lugar” ou “dei comida àquele necessitado”. Não queira um troféu por fazer sua obrigação (me incluo nisso).

O nosso maior papel é ajudar com que o nome de Floyd, João Pedro, Evaldo dos Santos Rosa e as tantas outras que gritam, sejam ouvidas. É não permitir que esse momento dure semanas e caia no esquecimento.

Que nunca mais voltemos a ignorar o racismo como fizemos há tantos anos.

Seja ativo em movimentos e causa e não apenas nas redes sociais

As redes sociais são importantes, é um lugar onde nossas vozes são ouvidas por aqueles que escolheram nos seguir.

Mas além disso, se envolva em iniciativas que ajudam e fortalecem a causa.

Conheça movimentos como:

Transforma BH/ Ame o seu vizinho

BAOBÁ Fundo Para Equidade Racial

Fa.vela

Entre outras frentes e movimentos. Não deixe de compartilhar outros nos comentários.

Escute pessoas negras

Nunca entenderemos a dor que eles sentem, por isso precisamos ouví-los em vez de tirar nossas próprias conclusões.

Vou citar aqui alguns dos poucos teólogos negros (e pardos) que conheço e preciso ouvi-los mais (e outros que conheci no canal do Victor Fontana). 

Faça o mesmo e indique outros nos comentários. Infelizmente não conheço teólogas negras, seria ótimo receber indicações.

São essas pessoas que precisamos ouvir agora. Como:

Voddie Baucham

Guilherme de Carvalho

Jubal Gonçalves

Ziel Machado

Jeremias Pereira

Embora não seja famosa por discursos teológicos, temos a forte voz de Bernice King que continua a luta de seu pai e compartilha da mesma fé.

Escute também não-cristãos. Precisamos conhecer a dor para entender como contribuir e como levar a mensagem de esperança do evangelho.

Não apoie a violência

É bom também pensarmos naquilo que não devemos fazer.

Um fator importante é nos lembrar que “bem aventurados são os pacificadores” (Mt 5:9). 

Como cristãos, devemos apoiar a mudança, mas de forma que ela não venha por meio da violência. É lindo ver cenas como a da Polícia de Miami.

Retirada do Portal UOL

Porém, é triste ver cenas de violência extrema, incêndios e justiça com as próprias mãos. 

A Palavra de Deus nos ensina que a nossa ira não “produz a justiça de Deus” (Tg 1:20).

É triste ver um movimento tão legítimo marcado com cenas de destruição e até lojas sendo furtadas.

Muitas vezes nessas causas, a violência nos torna exatamente como aqueles que queremos combater.

É compreensível ver como tanta violência sofrida, gerou uma retribuição agressiva. Porém, não devemos apoiar esse tipo de retribuição.

A realidade do Sonho de Martin Luther King Jr.

A famosa frase de Martin Luther King está sendo usada como nunca:

“Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.”

Quando olhamos ao nosso redor é difícil ter esperança de um dia vermos, de fato, todos os sonhos de Luther King se tornarem realidade.

Um lugar sem preconceito, sem choro, sem sofrimento, onde a sua cor não significaria nada além de uma característica do seu corpo.

A boa nova, é que esse lugar existe. Deus nos prometeu que um dia habitaremos nessa cidade. Uma cidade que nenhum de nós é digno de entrar.

Porém, uma cidade em que Cristo abriu as portas para receber todo aquele que nele crê e se torna seu discípulo.

O preço de sangue, o valor de cada vida na cruz, é a realização do sonho de Luther King. Um lugar em que ninguém é julgado, porque nosso caráter foi renovado. Um lugar em que o maior, foi Aquele que se fez menor.

Luther King estará lá, Luther King verá o seu sonho realizado. E essa é mais importante notícia que a igreja carrega para todo povo, língua e nação.

Temos um sonho, e ele será realizado. Graças a Deus.

Enquanto esse dia não chega, tenhamos “sede de justiça” (Mt 5:6) e que lutemos para que, enquanto a Cidade que aguardamos não chega, ela seja vista na Terra em nossas vidas.

Peço um último favor, não queira ser aplaudido em meio à causa, nem ser elogiado. Não louve esse texto. Eu não quero. 

Não estaremos fazendo mais que a nossa obrigação, e estamos muito atrasados! (Lc 17:10)

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